sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A vida ao contrário


Num filme, uma personagem, um ex-combatente do Iraque, durante o sono, um sonho, tenta asfixiar a própria namorada, que dorme tranquilamente ao seu lado. Não é ela que ele quer asfixiar. Ele não é um psicopata que asfixia pessoas. Ele estava a sonhar, a reviver os seus traumas e sem ter consciência, numa tentativa desesperada de sobrevivência é ela a pessoa a quem ele tenta matar.

No big brother, o Zé Maria. O Zé Maria queria, não 15, mas 5 minutos de fama. O Zé Maria queria fugir da sua rotina, da sua vidinha, no Alentejo. O Zé Maria não sabia como relacionar-se com os outros do grupo. Enquanto destes se afastava, cuidando das galinhas, Portugal inteiro conquistava. Eufórico pelo 1º prémio, mas não sabendo gerir o conquistado, perde a sua aquisição, a sua fama, até, desesperado, tentar suicidar-se na 25 de Abril.

O meu ex-namorado, aquele que durante anos foi o amor da minha vida. Aquele a quem escrevi cartas e cartas, de amor, de saudade, de apreço. Aquele que nunca lhes ligou, por vezes, nem sequer as abriu, encanta-se, agora, com os textos que não são para ele. Elogia-me agora, que já perdi o interesse.

Fernando Pessoa e a sua Ophelia. As cartas que até hoje inspiram e encorajam os românticos de todos os tempos.
Cartas essas fruto de uma sua ilusão. Ophelia tinha outro, tinha um namorado. Uma relação séria. Respondia às suas cartas por pura cortesia. Quando lemos "por favor, Bebé, não me deixe de escrever", estamos a ler o seu desespero. Quando lemos que a achou abatida na sua ultima carta, lemos a sua tristeza por não ser correspondido. Percebemo-lo ao lermos uma das últimas cartas, carregada pela sua sua fúria, porque Ophelia, mesmo depois dos seus lindos devaneios, continua a preferir o namorado e a escrever de forma fria e distante, como "um relatório" chama-lhe ele. Através de um dos seus heterónimos, Álvaro de Campos, Pessoa assume a sua fraqueza e mostra-nos como sente que cai no ridículo, ao escrever essas ridículas cartas.

Identifico-me com estas personagens.
Como o ex-combatente, inconscientemente, asfixio aqueles que não são o verdadeiro fruto da minha desilusão.
Como o Zé Maria, aspiro muito pouco. Escrevo uns textinhos, para fugir à rotina, recebo uma resposta ou outra e que feliz que fico, só por ganhar 5 minutos de existência. Chego um pouco mais longe e não sei geri-lo. Suicido-me no desespero de ter um pouco mais, de manter e captar as atenções.
Como o meu ex-namorado, encantam-me os textos, as cartas que não para mim e, finalmente, como Fernando Pessoa, faço um romance onde ele não existe. Também tenho o meu Álvaro de Campos, que compreende o ridículo da situação, mas, por vezes, a escrita ganha vida...

Deixei cair uma peça do dominó e, na tentativa de agarrá-la a tempo, derrubo todas as outras, até desconfigurar completamente a verdadeira imagem que representam.
Tudo fica ao contrário, tudo fica do avesso e já não há volta a dar...

3 comentários:

L'Enfant Terrible disse...

Como a vida é complicada, feita de encontros e desencontros, de lágrimas e suor muitas vezes gastos onde não se deve, a bater a uma porta errada, porque uma conjunção química assim o exige, e assim, tão só, a vida vai fugindo por entre os dedos como areia...

L'Enfant Terrible disse...

PS: Tens um mimo no meu blog!

Anira the Cat disse...

há coisas que só entendemos tarde demais, outras que nem chegamos a ver, mas ao fim e ao cabo é também por isso que somos humanos: distraídos, a sonhar com o futuro, a olhar só para o nosso umbigo...mas também há aqueles momentos mágicos, em que vemos tudo e com clareza. E a vida está sempre pronta a surpreender-nos, especialmente quando não o esperamos.