terça-feira, 24 de novembro de 2009

Autocarro



Hoje em dia não se gosta, “fica-se”, como dizem os brasileiros. Não há borboletas no estomago, nem nó na garganta. Não há a voz que treme no telefonema que ansiámos e temos medo de estragar. Não há a mensagem que hesitamos se enviamos ou não, se pomos a virgula ou não, se a palavra é a correcta ou não. Não há nada a perder. Não há passos em falso, não interessa o caminho, não há precipicio. Para “ficar”, há muitos! Se perder este autocarro, em apenas 5 minutinhos (ás vezes mais, que a Carris atrasa-se muito) chegará o próximo.


Hoje, quando se gosta de alguém, mesmo que seja só assim um bocadinho, instala-se o pânico. Instala-se o pânico dos intervenientes, o rapaz e a rapariga, e de todos aqueles que estão à sua volta.


O rapaz assusta-se “vê lá que ainda te apaixonas”, a rapariga treme “ai que não me posso apaixonar, não posso mostrar, não posso ansiar, ai que ele só quer “ficar””. Os outros preocupam-se “Não vás por aí, que isso por aí magoa! Faz como nós! Até podes casar, até podes ter filhos, gostar é que não!”. “E não te deixes pisar, não aceites migalhinhas, não sintas! Sê um robot! Espera 3 dias para enviar mensagem e a segunda só envias, 2 dias depois da resposta. Calcula tudo milimetricamente, não ouses sentir nada, nem sair do carrilho”. E lá vamos todos, uns atrás dos outros, como uma manada, nesse caminhozinho sem desvios.


Aquele que, inevitavelmente, sente as borboletas no estomago, passa a ser o frágil, o vulnerável, o retrógado. Aquele que esquece os milimetros dos seus passos, que quebra todas as regras, passa a ser fraco, pouco inteligente e, imagine-se só, perde a frieza e a racionalidade.


A excepção confirma a regra e lá se permite uma borboleta ou outra, mas só uma, que o estomago é fraco e tem que se aguentar ao McDonalds desta vida. E com prazo. A borboleta deve ficar no casulo, pelo menos, um ano! Borboleta depois de um único encontro, de todo! Nem que seja pela pessoa mais interessante do mundo, nem que seja o encontro mais giro do século! Venham Brad Pitts ou Kevin Costners, borboletas só no auge da loucura e, sobretudo, depois de se ter a certeza, certezinha, de que se é correspondido!

- Não sabes falar deste assunto que a mim tanto me interessa, mas que afinal nem ao menino Jesus interessa, vai mas é à tua vida!


- Não queres ver o mesmo filme que eu, desampara-me a loja!
- Não ouves esta música, não me serves para nada!
- Vou mas é esperar pelo próximo autocarro já, antes que o perca e a Carris entre em greve!

Eu sinto borboletas no estomago. Tenho um nó na garganta, só por isso. Falo demais para o tentar desfazer. Deixei de ser moderna, despreendida, porreira….
Não quero outro autocarro, quero este! Quero conhecer os seus bancos um a um e retirar as borboletas do casulo. Quero olhar por todas as suas janelas e quebrá-las, em caso de emergência. Este sim, é confortável. Este sim, tem Ar Condicionado, piso rebatido, música ambiente.
Mas vem o pica e pergunta: “ A menina tem passe?”. E eu não tenho. Ainda não mo deste. Com borboletas, não tenho direito… E o bilhete não dá para as 7 colinas, só permite a viagem na zona 1.

E assim me forçam a sair e a pagar multa!

1 comentário:

L'Enfant Terrible disse...

Ai que velhote e antiquado que me senti com este post, deve ser por andar de autocarro!;)